Política que incentiva carros achata renda do brasileiro, diz Ipea
Gastos das famílias brasileiras com transportes ficam em torno de 15% da renda, quando o ideal seriam 6%. Carros ganham mais incentivos que o transporte público e o que se limitaria a ser um problema de mobilidade, também afeta negativamente a renda do cidadão
ADAMO BAZANI – CBN
As políticas tributária e industrial acabam levando a um grande equívoco em relação à mobilidade das pessoas e à renda do cidadão brasileiro. Os transportes coletivos não são estimulados, não recebem prioridade no espaço urbano e os impostos sobre os carros de passeio são reduzidos assim como o Governo Federal faz mais esforços para segurar o valor da gasolina que para baratear o diesel que move ônibus e caminhões.
O equívoco está no resultado desta opção: apesar de todos estes estímulos, o transporte individual continua sendo caro e o coletivo, apontado como principal solução para o trânsito e poluição que resultam em outros sérios problemas, acaba não avançando.
Quem aponta os erros desta escolha é o Ipea – Instituto de Política Econômica Aplicada que divulgou nesta semana um relatório com o comparativo entre os resultados de 2003 e 2009 da Pesquisa de Orçamento Familiar – POF.
De acordo com os dados, quase 15% da renda dos brasileiros são comprometidos com transportes para deslocamentos urbanos ou metropolitanos. Deste total, a maior parte é destinada para o transporte individual (11%): compra de carros, motos, custo com gasolina ou etanol, impostos, manutenção, estacionamento, etc.
Isso significa que apesar de todos os incentivos, andar de carro custa muito e não traz muito mais vantagens aos cidadãos. Por outro lado, sem investimentos, como em corredores de ônibus que agilizam as viagens e em sistemas de trens pesados e metrô, os transportes públicos ainda não atraem a preferência da população, apesar de a maioria das pessoas declarar-se disposta a deixar o carro em casa se o transporte coletivo for bom.
O diretor técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Carlos Henrique de Carvalho, em entrevista coletiva defendeu que o Brasil siga o exemplo europeu de mobilidade que é não restringir a compra dos veículos, mas criar condições para o uso racional do automóvel, com ações como barateamento das passagens de transportes com fontes de renda definidas para isso, pedágio urbano e tarifas maiores de estacionamento.
Assim, só usaria o carro quem realmente precisa ou estiver disposto a pagar por isso. Os recursos obtidos por esta política de uso consciente do carro financiariam o barateamento das passagens e a melhoria de qualidade dos transportes coletivos.
O diretor do Ipea ainda diz que é um absurdo para a mobilidade que o Governo tente baratear os transportes individuais sem dar condições que o transporte público seja melhor.
“A atual política brasileira está voltada para o estímulo à compra e ao uso o transporte individual por meio de medidas como o barateamento da gasolina e do preço dos veículos em relação à inflação. Ao mesmo tempo, as tarifas de ônibus aumentaram acima da inflação. Por isso, as condições de mobilidade vão piorando, porque as pessoas tendem a usar cada vez mais o transporte individual”
O técnico diz que o ideal seria que os transportes consumissem cerca de 6% da renda das famílias brasileiras e não os quase 15% como é atualmente.
A Pesquisa de Orçamento Familiar fez levantamentos em nove capitais: São Paulo (SP), no Rio de Janeiro (RJ), em Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), no Recife (PE), em Fortaleza (CE), Salvador (BA) e em Belém (PA).
A política que privilegia os carros, ainda segundo o diretor técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Carlos Henrique de Carvalho, vai na contramão do discurso de diminuição das desigualdades sociais. Sem investimentos, os transportes públicos não atendem plenamente todas as necessidades da população, principalmente dos que têm menor renda.
“As pessoas que moram na periferia têm as piores condições de mobilidade”, completou.
Empresas fabricantes de carrocerias e chassis de ônibus têm apresentado veículos cada vez mais confortáveis, menos poluentes e com novas tecnologias. As empresas de transportes por ônibus têm, em sua maioria, investido em formas mais avançadas de gerenciamento, planejamento e operação. Mas tudo isso só tem um efeito pleno para a população se o custo parar operar transportes coletivos for reduzido, com desonerações e incentivos, e com investimentos que possibilitem mais velocidade aos ônibus, como os corredores exclusivos. Para isso, os administradores públicos não podem ficar no meio termo, devem assumir uma posição com firmeza e coragem, se for preciso.
Não significa “brigar” com a indústria de carros de passeio ou com quem quer se deslocar de forma individual, mas oferecer opções ao cidadão e privilegiar a maioria no espaço urbano.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes