ESPECIAL: Com bons resultados no Sul, ônibus a biometano será testado em São Paulo

Fonte: Blog Ponto de Ônibus

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Ônibus movido a Biometano da Scania, sendo testado no Rio Grande do Sul. No Brasil, houve já experiências semelhantes, como com a CMTC em São Paulo, mas atualmente a tecnologia conseguiu corrigir problemas comuns no passado, como perda de desempenho, garantem os fabricantes
Com bons resultados no Sul, ônibus a biometano será testado em São Paulo
Uso deste gás, além de trazer impactos positivos para o meio ambiente, pode significar oportunidades de maior renda para agricultores familiares e a produção é considerada simples e de baixo custo, segundo especialistas
ADAMO BAZANI – CBN
Dizem que é na simplicidade que estão as boas ideias e os grandes avanços. Por diversas vezes, a solução é tão simples que muitos acabam dizendo “como foi que não pensei nisso antes?”.
É o que ocorre com o melhor aproveitamento dos gases oriundos no processo de decomposição de resíduos que podem dar origem ao biometano.
O Brasil é um dos grandes produtores de resíduos urbanos e também de rurais. Assim, problemas de logística não seriam os grandes impedimentos para que o biometano possa se tornar uma fonte energética com maior escala.
E o setor de transportes de passageiros, pode ser um dos segmentos econômicos a aproveitar melhor a matéria que origina este combustível.
Após circular no Parque Tecnológico da Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu, no Paraná, um ônibus movido a biometano foi testado também no Rio Grande do Sul.
Os estudos tiveram a parceria da fabricante Scania, da Sulgás – Companhia de Gás do Rio Grande do Sul, da Brasken, que cedeu o parque industrial para a circulação do ônibus e da Ecocitros, que é uma cooperativa de citricultores da região do Vale do Caí, e da Naturovos, com sede na cidade de Salvador do Sul, pertencente ao Grupo Solar, produtora de ovos e derivados. A Naturovos e a Ecocitros formaram o Consórcio Verde Brasil justamente para fornecer os resíduos orgânicos, como cascas de frutas e fezes de galinhas, de onde vai ser gerado o biogás matéria para o biometano.
O modelo de ônibus é um Scania Citiwide, de 15 metros de comprimento e três eixos, K 280 – 6X2 *4 – DC 09 280, com chassi e motor feitos na Suécia e a carroceria na Polônia pela própria Scania.
O veículo, da geração 2013, foi fabricado para utilizar gás natural, mas no Brasil, ele tem operado com o biometano. Essa é uma das características do modelo: há possibilidade de usar um dos dois combustíveis ou então a mistura entre os dois. As características de queima são bem parecidas, não havendo necessidade de alterar nada no motor ou demais componentes.
Entre outubro e novembro, o veículo ficou no Paraná. De dezembro a janeiro no Rio Grande do sul e na próxima semana deve estar circulando, sem passageiros porque a configuração interna atende às normas suecas, na cidade de São Paulo, onde fica até o início de março, retornando para a Europa. A Scania adiantou que em março virá apenas um chassi deste mesmo modelo para o Brasil. Até o final de maio, a estrutura deve receber uma carroceria brasileira.
Os resultados dos testes no Rio Grande do Sul foram apresentados nesta quinta-feira, dia 29 de janeiro de 2015, na unidade da Braskem, em Triunfo, no Rio Grande do Sul. O Blog Ponto de Ônibus esteve lá para acompanhar os principais números, andar no ônibus e também visitar a usina de compostagem da Ecocitrus, na cidade de Montenegro, também no Rio Grande do Sul.
A análise do desempenho do veículo foi feita pela Univates – Universidade do Vale do Taquari de Educação e Desenvolvimento Social, localizada na cidade de Lajeado.
De acordo com o professor coordenador dos trabalhos acadêmicos nos testes, Odorico Konrad, o ônibus teve bons resultados quanto à rentabilidade, nível de ruído e emissão de poluentes.
“Dentro do parque da Brasken, levando funcionários, a média de consumo foi de 2,13 km/nm3. É um ótimo rendimento comparado com o diesel, levando em conta que o preço do gás é menor que o do combustível fóssil. Os níveis de poluição ficaram bem abaixo do determinado pelo Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente e as emissões de ruído também foram abaixo dos padrões determinados pelas autoridades. Em marcha-lenta, com motor a 610 rpm (rotações por minuto) o ruído foi de 77,53 decibéis, em média. A 2500 rpm, a média do ônibus foi de 95,67 decibéis, sendo que o limite é de 98 db” – explica o professor.
O nível de ruído mais baixo ocorre porque o ônibus tem motor ciclo Otto, de 5 cilindros. Neste tipo de motor, uma faísca dá início ao uso do combustível. Já no motor Diesel, o gás é pressionado dentro do sistema, havendo mais barulho. A autonomia do ônibus, de acordo com a Scania, é de 300 quilômetros a 400 quilômetros, dependendo das condições de operação. A redução das emissões de poluição chega a ser de 70% em relação aos motores Euro 6, usados na Europa, sendo mais evidente ainda na comparação com os propulsores do tipo Euro 5, cujas normas são seguidas no Brasil.
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Antigamente, boa parte dos abastecimentos era demorada e dependia de carretas especiais com cilindros. Hoje em dia, abastecimento por bombas é mais simples e rápido.
O preço do veículo é de 20% a 25% mais alto que de um ônibus do mesmo porte a diesel. A maior diferença de preços se dá por causa dos tanques de combustível que ficam no teto do ônibus.
De acordo com o diretor de vendas de ônibus da Scania, Silvio Munhoz, o uso do gás natural e biometano hoje pode ter impacto positivo inclusive nas tarifas.
“Em pouco tempo, este ônibus se paga. E ainda sobra muita vida útil para ele que vai possibilitar a redução dos custos operacionais podendo trazer impactos para a população no valor das tarifas. Não imaginamos, claro, ainda no Brasil, frotas com 100% de ônibus a gás. Mas frotas mistas poderiam resultar em redução dos custos e claro, terem um impacto ambiental muito favorável, melhorando a qualidade de vida das pessoas e também trazendo outro benefício econômico que é a redução nos gastos com saúde pública por causa de problemas de poluição” – disse o executivo.
Ele garante que o nível de nacionalização para a fabricação de um ônibus a biometano é grande e que a maioria as peças no chassi e motor são as mesmas usadas para a produção de um ônibus a diesel.
“Aproximadamente 85% das peças são compartilhados entre o ônibus a gás e o diesel. Isso reduz muito o custo de produção, aquisição e manutenção. Para se ter uma ideia, apenas 40 componentes do motor são diferentes.” – explica
ÔNIBUS A GÁS DÁ CERTO MESMO?
Em 1983, a CMTC – Companhia Municipal de Transporte Coletivo, de São Paulo, colocou em circulação um monobloco O 362, da Mercedes-Benz,movido a metano. Em 1987, já eram 20 ônibus. Um dos locais de abastecimento dos ônibus, onde havia uma espécie de processadora do gás, era o lixão da região de Interlagos, na zona Sul de São Paulo.
Nos anos de 1990, eram comuns na cidade ônibus a gás natural – GNV. Muitos monoblocos Mercedes-Benz O-364, O-365 e O-371 eram vistos pela cidade, também operando pela CMTC. Algumas empresas particulares também operavam com estes ônibus a gás. Depois da privatização da CMTC, entre 1993 e 1994, alguns destes ônibus circulavam pela CCTC – Cooperativa Comunitária de Transportes Coletivos, em especial os O-371.
Mas uma das queixas, na época, era a perda de força do ônibus em subidas ou mesmo quando estivesse mais lotado. A velocidade era de difícil retomada e as quebras eram constantes.
Até hoje há uma resistência por parte de empresários e poder público quando assunto é ônibus a gás.
O diretor de vendas de ônibus da Scania, Silvio Munhoz, diz que estes problemas ficaram no passado. Hoje na Europa, uma parcela significativa de ônibus é a gás.
Ele explica que está na tecnologia de queima do combustível e no abastecimento, a grande diferença para que hoje os ônibus a gás não tenham os mesmos problemas que ainda assustam empresários e poder público.
“O que ocorreu com estes ônibus mais antigos era que eles tinham injeção mecânica. O que dá desempenho é a queima do metano. A fábrica, antigamente, fazia uma regulagem para o combustível, mas por diversos fatores, na hora da injeção, não vinha a quantidade de metano necessária para a queima. Já no sistema de injeção eletrônica, esta quantidade correta é regulada na hora por softwares. Há sondas na entrada e na saída do gás que enviam a mensagem para o motor que corrige na hora a quantidade de metano a ser queimada. Além disso, a distribuição era por carretas. Nem todo o gás dos cilindros das carretas eram aproveitados e o tempo de abastecimento era muito longo. Hoje em três minutos você enche um tanque de ônibus com gás. Um ônibus a diesel demora de um minuto e meio a dois” – explica.
BIOMETANO PODE SER UMA MATRIZ ESTRATÉGICA BRASILEIRA:
O Bimetano produzido pela Sulgás, no Rio Grande do Sul, foi chamado pela empresa e participantes do projeto de GNVerde. Ele hoje é testado na frota de veículos leves na Ecocitrus, Sulgás e Naturovos. Segundo a companhia que é de economia mista, com 51% das ações do estado do Rio Grande do Sul, e 49% da Gaspetro, da Petrobrás, o GNVerde tem alto teor de metano, com 96,5%. A quantidade de CO2 é de 2%. Isso permite um maior aproveitamento energético, uma melhor queima e redução da poluição ainda maior, de acordo com a companhia.
A empresa aguarda regulamentação da ANP para a comercialização do biometano, o que deve ser publicado nos próximos dias. Entre outros fatores, a ANP deve estipular parâmetros para a tarifa, além da carga tributária.
A distribuição para o consumidor deve ser feita na mesma rede do GNV. Hoje, no Rio Grande do Sul, a Sulgás tem 805 quilômetros de dutos de distribuição. Com investimentos de R$ 250 milhões, esta rede deve chegar em 2018 a 1.400 quilômetros. Há também a distribuição por caminhões.
“O gás natural hoje vem da Bolívia, passa pelo Mato Grosso do Sul e chega até o Rio Grande do Sul. A capacidade deste gasoduto está chegando ao limite. O biometano é a alternativa para a maior demanda e para reduzirmos a dependência do gás boliviano. E fazemos isso sem depender de outros mercados, nós mesmos, de maneira muito simples fabricamos nosso combustível” – comenta a diretora de planejamento da Sulgás, Jussimara Rolim.
O diretor-presidente da empresa, Roberto Tejadas, diz que o biometano tem boas perspectivas em diversos segmentos da economia, mas no setor de transportes, é necessário despertar o interesse dos frotistas.
“A Sulgás acredita que o biometano vai ocupar uma fatia significativa do mercado do gás natural, ampliando nossa condição de suprir outros clientes que hoje não são atendidos pelo gás natural. Existe ainda no transporte brasileiro uma vinculação forte ao diesel, os veículos a diesel têm escala, portanto eles são comercialmente mais estabelecidos, mas eu acho que o apelo da sociedade, a necessidade de ter transporte respeitando elementos de equilíbrio ambiental vai pressionar para que num curto espaço de tempo a gente tenha estes veículos aqui. A associação brasileira das distribuidoras de gás acredita que até o ano que vem teremos grandes frotistas aderindo a este combustível” – comentou Tejadas.
MEIO AMBIENTE, ECONOMIA, MOBILIDADE E SOCIAL:
Inicialmente, o biometano no transporte coletivo, de acordo com os especialistas que apresentaram os resultados dos testes, pode trazer vantagens em três pilares:
– na destinação de resíduos, um dos grandes problemas na agricultura e nas cidades,
-no transporte público com uma frota melhor, mais silenciosa e com custos menores de operação, o que pode refletir numa estabilidade das tarifas pagas pelo passageiro, já que boa parte dos custos no sistema é por causa do diesel,
– no meio ambiente, melhorando a qualidade de vida nas cidades e diminuindo a emissão de materiais particulados.
Mas os benefício podem ir além.
O presidente da Ecocitrus, Fábio José Essweie, vê no biometano um elemento importante para o desenvolvimento da agricultura familiar
“O biometano traz para nós uma questão de total sustentabilidade dentro do processo que a gente já tem de trabalho. Nós hoje temos combustível também para gerar energia elétrica para tocar nossas indústrias e também para a logística na agricultura, abastecendo os veículos particulares e os utilizados na lavoura. Para os sócios da Ecocitrus, que são pequenos agricultores, é uma questão importantíssima. Desenvolvemos um trabalho no consócio pelo qual o agricultor já recebe os insumos de graça, vai receber o combustível praticamente de graça. Isso vai gerar uma receita maior para o agricultor. A questão dos resíduos também é resolvida com o aproveitamento do gás para o bimetano, prova disso é a Naturovos, cujo a destinação dos resíduos do animais se tornou de problema a algo vantajoso. A boa experiência vai valer também para criações de gado, suinocultura. Para se ter uma ideia, na nossa região, hoje temos um limite de produção porque não tem onde colocar os dejetos .” – relata o dirigente da cooperativa.
A PARTE TÉCNICA:
De uma maneira geral, a produção do biometano é considerada simples e de baixo custo pelos especialistas ouvidos na apresentação, sendo a matéria-prima, os processos e a mão-de-obra essencialmente nacionais.
O diretor da Usina de Compostagem e Biogás da Ecocitrus, Albari Gelson Pedroso, diz que o bimetano é proveniente de uma matéria-prima gerada pela própria natureza e que é desperdiçada, podendo ter uma significativa gama de aplicações. Ele explica o caminho desta matéria desde a separação dos dejetos até o tanque de combustível do ônibus.
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Áreas de compostagem e tratamento de gás da Usina da Ecocitrus.
“O processo de compostagem gera automaticamente uma série de emissões de gases. É claro que num processo aeróbico você tem preferencialmente no metabolismo a geração de CO2 e alguma coisa de metano em função deste próprio processo. Mas esta mesma matéria orgânica num ambiente anaeróbico gera CH4 e CO2. Assim, num tempo muito menor que processo aeróbico, que levaria 120 dias para ter o composto, num processo anaeróbico produzindo o gás, é possível fazer em 30 dias com melhor qualidade e mais estável, com ganhos que podem colaborar com a viabilidade econômica do empreendimento. Inicialmente, numa central de compostagem recebe-se uma série de biomassas de várias indústrias, como laticínios, agroindústria, que é o nosso caso, cervejarias, etc. Estes materiais adequados são direcionados para o processo de biogás, ou seja, é feita uma mistura, o processo vai definir a relação carbono/nitrogênio adequada, define uma concentração de sólido, ainda uma característica bombeável, e desse material respeita-se a condição de sólidos voláteis, ou seja, é aquilo que é possível transformar em gás. O ideal é que a matéria orgânica que eu coloco tenha alto índice de voláteis, isto é, no nosso caso, acima de 75%. Este material é temporizado, a cada meia hora a um certo volume, os reatores são agitados, eles têm controle de temperatura. Estes reatores, um primário e um secundário, geram gás continuamente, porque na medida que a matéria orgânica está entrando começa hidrolisar até a fase final que é a metalogenese, ou seja, o processo é contínuo, gera gás o tempo todo. Se você deixar de alimentar o processo, as bactérias não têm comida e não produzem gás. Na medida que entra o dejeto, sai no final o mesmo volume só tirando a massa do biogás, dando origem a uma enorme gama de produtos para insumo agrícola, como composto orgânico, biofertilizante. No caso do gás, eu teria biogás natural do jeito que ele se encontra, que no nosso caso, operamos em torno de 70% de metano, e nós geramos energia elétrica para o autoconsumo. Há uma limpeza, tirando o gás sulfídrico, e já dá para usar o gás como ele está, mas não para aplicações em veículos. Lembrando que o biogás é diferente do biometano. O biogás é simplesmente o que é gerado no reator. A retirada do gás sulfídrico deve ser trabalhada desde o início do processo, inclusive na formação inicial da mistura de vários resíduos já tem de tomar cuidado adequado, protegendo o meio ambiente, com catalisador para esta retirada. Com o biogás, você já gera a energia dos equipamentos que vão purificar o gás, que nada mais é do que separar os gases, tira o CO2 de um lado e deixa o metano do outro. Comprime-se esta gás a 220 quilos de pressão e você abastece os veículos nesta condição de pressão. É uma pressão alta para ter confinada uma quantidade suficiente para ter uma autonomia tranquiliamente superior a 200 quilômetros por tanque de gás” – detalha o especialista.
Pode haver geração de poluição na produção do gás, mas a redução das emissões nos veículos é maior, segundo os técnicos.
É possível também extrair biometano de resíduos urbanos, mas eles possuem uma quantidade de substâncias agressivas que exigem um processo de purificação do biogás mais complexo e mais caro.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes
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