De acordo com a presidente da Comissão Técnica “Mobilidade a Pé e Acessibilidade” da Associação, pequenas intervenções poderiam deixar BRTs mais seguros
ADAMO BAZANI
Estudos do Centro para Cidades Sustentáveis da Embarq, associação internacional que reúne especialistas, e do Banco Mundial mostram que a implantação de BRT pode auxiliar na segurança viária de uma determinada região.
No entanto, ainda são comuns acidentes, principalmente atropelamentos, nos corredores exclusivos de ônibus.
Um dos exemplos foi no Rio de Janeiro. No início da implantação dos corredores diversas pessoas foram atropeladas, inclusive gerando protestos por parte de moradores que chegaram a bloquear via e danificar ônibus. No primeiro ano de operação do Transoeste. No primeiro ano de operação do sistema, dez pessoas morreram atropeladas pelos ônibus.
Mas é uma questão de população acostumar com o BRT, criando uma cultura de respeito aos espaços e sinalizações, ou também os projetos podem ser melhores?
O Blog Ponto de Ônibus conversou por e-mail com a presidente da Comissão Técnica “Mobilidade a Pé e Acessibilidade”, da ANTT – Associação Nacional dos Transportes Públicos, Meli Malatesta.
A comissão ajuda gestores públicos na formulação de políticas para melhorar os deslocamentos não motorizados, por exemplo, como contribui com o Plano de Mobilidade da Capital Paulista.
De acordo com Meli Malatesta ,os planejamentos de corredores com soluções simples aumentariam a segurança das pessoas que precisam pegar os ônibus ou de quem simplesmente passa ao entorno.
Ela também defende que os planejamentos de malhas de transportes levem mais em consideração a complementação de viagem a pé com foco na necessidade de pedestres, inclusive, dos que possuem mobilidade reduzida.
“Os corredores e faixas exclusivas de ônibus em si caracterizam uma situação atípica de circulação veicular e esta característica pode acarretar algumas situações de perigo potencial para seus usuários pela produção de falsos cenários de oportunidades de acesso para quem caminha gerando insegurança de tráfego.”
Com apoio de diversos movimentos em prol de circulação mais segura, a comissão técnica auxiliou na formulação do documento PAC Mobilidade Ativa para consolidar políticas de estímulo aos deslocamentos não motorizados nas cidades brasileiras.
Acompanhe entrevista na íntegra abaixo
Dentro do contexto de que os deslocamentos a pé são os mais importantes numa cidade, já que têm relação com outros elementos na mobilidade urbana, como, na prática, os planejamentos e execução dos serviços de transportes coletivos, metroferroviários ou por ônibus, podem melhorar a condição do pedestre?
Certamente. Muitos planejadores das redes dos sistemas de transporte público coletivo só pensam no seu cliente imediato, o passageiro, como se ele tivesse aflorado diretamente do subsolo nas paradas, estações e terminais. Não imaginam que para acessar estes elementos dos sistemas seus usuários percorrem a pé um trajeto complementar cuja extensão muitas vezes lhes toma mais tempo do que a própria viagem em si. Da mesma forma estes planejadores devem se deter no conhecimento e entendimento das necessidades das pessoas que caminham, lembrando que o termo pedestre abrange também as pessoas com restrições de mobilidade e em situação de deficiência física uma vez que as redes de transporte coletivo são polos de atração e geração de viagens a pé.
Pela experiência como presidente da Comissão Técnica “Mobilidade a Pé e Acessibilidade” da ANTP, o que a senhora pode falar sobre os modelos de faixas de ônibus, corredores de ônibus simples e BRTs já em operação ou que devem ser entregues à população? Eles contemplam os pedestres ou, em sua maioria, têm se limitado a ser planos de vias para ônibus sem pensar na segurança de quem está ao entorno? Perguntamos isso porque recentemente, por exemplo, os BRTs do Rio de Janeiro se destacaram pelo número de atropelamentos, em especial no início de operação.
Os corredores e faixas exclusivas de ônibus em si caracterizam uma situação atípica de circulação veicular e esta característica pode acarretar algumas situações de perigo potencial para seus usuários pela produção de falsos cenários de oportunidades de acesso para quem caminha gerando insegurança de tráfego. Uma delas diz respeito, por exemplo ao acesso de pedestres às paradas de corredores de ônibus com paradas situados nos canteiros centrais. Muitos destes acessos podem ser feitos somente por faixa de travessia de pedestres semaforizadas situadas no meio da quadra. Usuários que se originam das vias transversais muitas vezes não conseguem visualizar estas travessias e tentam acessar estas paradas atravessando as faixas de pedestres que são normalmente situadas nas esquinas e depois tem que pisotear vegetação existente ou se espremer junto aos gradis que são instalados até o local onde está a parada, ou mesmo invadir a faixa onde circula o ônibus em situação de alto risco. Tudo isso porque quem faz o projeto vê o local de cima, em “planta” e quem o utiliza o vê de frente, na altura do olhar. Outra situação que também implica em risco é a programação semafórica que ao privilegiar o próprio transporte coletivo sujeita seus usuários que ainda estão a pé a longas esperas e tempos de travessia restritos que impossibilitam completar toda a extensão de via a ser atravessada numa só etapa. Esta situação de desprivilegio para o passageiro que ainda está a pé induz ao desrespeito fazendo-o preferir se arriscar numa travessia perigosa a perder seu ônibus que se aproxima. Enfim, ao se planejar estruturas de privilégio ao transporte coletivo não se pode esquecer do seu principal motivo: o passageiro que ainda é um pedestre.
E a condição dos pontos de ônibus? Constantemente surgem notícias de pessoas que morrem atingidas por carros enquanto estavam aguardando o ônibus. Como melhorar a segurança do pedestre que espera o transporte no ponto?
Os locais escolhidos para acomodarem os pontos de ônibus devem apresentar condições suficientes para acomodar de forma segura e confortável seus usuários, considerando-se sempre o horário de maior concentração de pessoas. Além de largura suficiente, boa visibilidade, piso regular sempre em boas condições, revestimento antiderrapante, boas drenagem, cobertura e iluminação, outros cuidados com o trânsito motorizado devem ser tomados como sinalização apropriada e outros elementos para redução da velocidade do tráfego geral.
É possível desenvolver trabalhos para a melhor capacitação de motoristas de ônibus sobre a segurança de pedestres e ciclistas e como fazer isso? Aparentemente, apesar de todas as campanhas, ainda é forte a sensação de que há uma disputa de espaço nas cidades?
Capacitação dos motoristas de ônibus, cobradores, fiscais, enfim de todos os profissionais envolvidos com o planejamento, projeto e operação dos sistemas de transporte coletivo são sempre necessárias e bem vindas até para abrandar esta situação de disputa pelo espaço público destinado à mobilidade nas cidades brasileiras, sensibilizando-os para os usuários mais vulneráveis da via: ciclistas e sobretudo pedestres. Tenho informação que muitas cidades, inclusive São Paulo já começaram este trabalho.
Como também tornar os pedestres e ciclistas mais disciplinados e respeitosos? A sensação é que muitos ao saberem que são prioridade pensam que podem tudo no trânsito.
A Educação de Trânsito e Cidadania como matéria obrigatória nas escolas é essencial para preparar as pessoas para compartilhar com segurança e harmonia o espaço público das cidades destinado à mobilidade. Infelizmente a legislação que indica como as pessoas devem compartilhar estes espaços, ou seja o CTB – Código de Trânsito Brasileiro, que institui os direitos e os deveres dos usuários do sistema viário, não é totalmente explorado nem no único momento em que é ensinado, os usuários da via que têm oportunidade de conhecê-lo, ou seja, os usuários habilitados, que tiram a CNH. Os Centros de Formação de Condutores se detém mais em apontar o que os motoristas podem fazer nas vias do que prepará-los para compartilhar estes espaços para os que não necessariamente conhecem essa lei, que são os usuários mais vulneráveis da via: ciclistas e pedestres. E estes por sua vez assumem posturas de “quem pensam que podem tudo no trânsito” porque não confiam no respeito pelos motoristas aos seus direitos mais básicos, ao ponto de inventarem um gesto de mão para que os motoristas daqui obedeçam o que já é proposto pela lei: a prioridade do pedestre que atravessa na faixa.
Conte um pouco mais do PAC Mobilidade Ativa e como ele pode melhorar circulação das pessoas, se as propostas foram seguidas. Não existe hoje nenhum financiamento do PAC para os deslocamentos a pé e de bicicleta?
Nosso trabalho como setor da sociedade civil que atua no sentido de proporcionar à Mobilidade a Pé a importância que ela merece na divisão dos espaços e do tempo das áreas públicas das cidades brasileiras destinadas à mobilidade juntamente com outras entidades parceiras que realizam o mesmo trabalho como a Associação Cidadeapé, Corridaamiga, Sampapé, entramos como parceiros das entidades brasileiras de cicloativismo na criação de um documento com a proposta do PAC Mobilidade Ativa como forma de consolidar políticas de estímulo à Mobilidade Ativa nas cidades brasileiras através da obtenção de recursos para a implantação e consolidação destas redes. A Lei Federal da Mobilidade Urbana (lei federal 12.587/2012) institui a obrigatoriedade de Plano Diretor de Mobilidade aos municípios que busquem recursos do governo federal para serem aplicados em mobilidade urbana, institui a obrigatoriedade da priorização da mobilidade não motorizada, ou mobilidade ativa, nestes planos.
Quais as contribuições da Comissão para o Plano de Mobilidade de São Paulo?
A Comissão Técnica de Mobiliade a Pé e Acessibiliade da ANTP tem atuação nacional e neste ano contribuiu para a consolidação do assunto Mobilidade a Pé no PlanMob de São Paulo através da elaboração de um documento contendo uma análise crítica da proposta preliminar elaborada pela SMT – Secretaria Municipal de Transportes. As indicações e necessidades apontadas neste documento, posteriormente enviado à SMT, foram em grande parte aproveitadas na elaboração de sua revisão que atualmente encontra-se em fase final de discussão junto às entidades representativas anteriormente mencionadas além da ANTP.
Saiba mais sobre o assunto em: http://www.antp.org.br/website/noticias/ponto-de-vista/show.asp?npgCode=8F738518-DBEA-45E0-8450-718E15A409DF
8) Recentemente, você se machucou andando em São Paulo. Como e onde foi isso? E, num olhar de técnica e cidadã, faça uma avaliação de como é caminhas na cidade?
Fraturei o tornozelo esquerdo torcendo-o violentamente ao pisar numa irregularidade de uma calçada situada num bairro paulistano central e de alto poder aquisitivo. Estava calçando tênis, então o tipo de calçado não colaborou para a ocorrência do acidente, o problema foi a má condição da calçada mesmo. Este acidente me obrigou a uma imobilização total de 2 meses e atualmente estou em imobilização parcial com fisioterapia. Além das consequências indesejáveis do acidente em si, tive grande prejuízo material ao ter que abrir mão de muitas atividades profissionais. Assim como eu várias pessoas passam pela mesma situação nas cidades brasileiras acarretando um enorme prejuízo ao SUS e suas vidas pessoais em decorrência de um problema muito sério, mas de solução simples e barata. Este tipo de acidente, que não entra nas estatísticas de trânsito brasileiras e supostamente em nenhum país do mundo, gera mais atendimento em prontos socorros em todo o país do que os outros tipos de acidentes de trânsito. A “deseconomia” gerada atinge valores monetários altíssimos e poderia ser evitada com medidas muito simples e de baixo custo. A legislação adotada para a construção e manutenção de calçadas em São Paulo e na maioria das cidades brasileiras que institui ao poder privado a construção e manutenção das calçadas e ao poder público sua fiscalização já se mostrou ineficaz e injusta para com a Mobilidade a Pé uma vez que a pista por onde circulam os veículos e de inteira responsabilidade do poder público. Esta diferença de tratamento dos espaços públicos destinados à mobilidade urbana e a indiferença do poder público e da sociedade civil para este problema aponta a pouca valorização que é atribuída à caminhada , desestimula sua prática e induz a uma cidade desigual, não democrática e perigosa.
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes